Desde
que um anjo pegou minha mão, eu fiquei assim, mais leve. Era uma senhora de
mais de setenta anos, pegando restos de alimento no lixo do prédio da
prefeitura. Dizia que, mesmo azeda, a comida era muito boa. E se punha a
imaginar um prato fumegante, com um apetitoso cheiro de ervas finas. Depois que
eu lhe disse “bom dia”, ela passou a me contar histórias de sua infância e
juventude. Que naquele tempo é que era bom! Havia fartura em todas as mesas e
todos, todos mesmo, podiam se servir à vontade. Havia música e dança até de
madrugada e todos, todos mesmo, dançavam com respeito. E quem queria uma
carícia mais ousada se retirava da festa e se escondia no matagal. Ela ficou em
dúvida se gostava mais da festa ou do matagal. Namorador, um anjo namorador. Que
se encantava com as primeiras luzes de mercúrio. Que achava lindos aqueles
pequenos pontos luminosos substituindo o brilho das estrelas na escuridão da
noite. Mas que atrapalhavam o namoro encostado ao poste ou no banco da praça.
“Ah! Namorar era muito bom! Hoje, quem abraçaria uma velha fedida como eu? Que
arrota lixo azedo e se esconde nos becos para fazer suas necessidades...
Envelhecer é isso? A vida sem abraços é muito triste, menino! Comer lixo é
suportável...” Olhei-a nos olhos; ela lembrava minha mãe. Lembraria a mãe de
qualquer pessoa. “Posso te dar um abraço, com todo respeito?” Ela riu. “Você
vai sair daqui com catinga, menino. Faz isso, não...” Aproximei-me dela e
dei-lhe o abraço. Ela me apertou forte. Realmente, parecia precisar mais de um
abraço do que de comida. Quando nos desvencilhamos, ela pegou minha mão. “Agora
vá cuidar dos seus afazeres, menino! Não perca mais tempo com esta velha louca,
não... A vida passa depressa, sabe? Reze e trabalhe muito para não chegar nesta
situação... Namorei tanto que me esqueci de rezar, de trabalhar... Mas a vida é
assim... Se eu estivesse dentro de minha casa ou num asilo, não teria ganhado
este abraço. Vai com Deus!” E eu fui. Com Deus, certamente, mas principalmente
com as marcas do abraço de um anjo em meu corpo. Leve.
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