quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

O ENGOLIDOR DE VERBOS


Começou na infância – não como uma brincadeira, mas como única forma de sobreviver. “Nascer” foi o primeiro verbo que engoliu; tinha um sabor agridoce; era bom e não era, tanto que, em dúvida, teve que engolir o verbo “chorar” logo em seguida. O verbo “respirar” desceu por sua garganta mais harmoniosamente e lhe acalmou; ficou viciado neste verbo, engolia-o a todo instante. E assim, foi engolindo outros verbos que apareciam. “Andar” e “falar” foram engolidos quase que por obrigação. “Sorrir” não lhe passava pela boca, muito menos pela garganta. Havia um buraco em seu estômago, que impedia a passagem deste verbo. Engoliu o verbo “brincar” meio sem vontade; faltava-lhe ânimo para digerir algo tão alegre. “Estudar” foi engolido somente pela metade, ou nem isso. Era preciso forçar muito a mastigação e ele desistiu. Teve que engolir o verbo “trabalhar” antes da hora. Passava-lhe pelo esôfago arrebentando-o – e assim foi para todo o sempre.
Certa vez, tentou experimentar o verbo “amar”. Da primeira vez que o digeriu, tinha um sabor maravilhoso, inexplicável. Mas, com o tempo, foi se tornando ácido. Não quis mais saber deste verbo, pois o “viver” já era por si só intragável; não precisava de complementos com temperos ásperos. Preferiu engolir seus verbos sozinho. “Sonhar”, “imaginar”, “cansar”, “adoecer”, “delirar”, “renascer” – todos estes verbos foram devidamente por ele engolidos.  Não engoliu muitos outros por simplesmente não conhecê-los. Há um, porém, que ele quer muito engolir logo, mas não o encontra nem pra remédio – é o verbo “morrer”. E ele vai teimosamente deglutindo seus verbos, pois jurou pra si mesmo que jamais sorveria o verbo “matar” – nem para consumo próprio.

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