Começou
na infância – não como uma brincadeira, mas como única forma de sobreviver. “Nascer”
foi o primeiro verbo que engoliu; tinha um sabor agridoce; era bom e não era,
tanto que, em dúvida, teve que engolir o verbo “chorar” logo em seguida. O verbo
“respirar” desceu por sua garganta mais harmoniosamente e lhe acalmou; ficou
viciado neste verbo, engolia-o a todo instante. E assim, foi engolindo outros
verbos que apareciam. “Andar” e “falar” foram engolidos quase que por obrigação.
“Sorrir” não lhe passava pela boca, muito menos pela garganta. Havia um buraco
em seu estômago, que impedia a passagem deste verbo. Engoliu o verbo “brincar”
meio sem vontade; faltava-lhe ânimo para digerir algo tão alegre. “Estudar” foi
engolido somente pela metade, ou nem isso. Era preciso forçar muito a mastigação
e ele desistiu. Teve que engolir o verbo “trabalhar” antes da hora. Passava-lhe
pelo esôfago arrebentando-o – e assim foi para todo o sempre.
Certa
vez, tentou experimentar o verbo “amar”. Da primeira vez que o digeriu, tinha
um sabor maravilhoso, inexplicável. Mas, com o tempo, foi se tornando ácido. Não
quis mais saber deste verbo, pois o “viver” já era por si só intragável; não precisava
de complementos com temperos ásperos. Preferiu engolir seus verbos sozinho. “Sonhar”,
“imaginar”, “cansar”, “adoecer”, “delirar”, “renascer” – todos estes verbos
foram devidamente por ele engolidos. Não
engoliu muitos outros por simplesmente não conhecê-los. Há um, porém, que ele
quer muito engolir logo, mas não o encontra nem pra remédio – é o verbo “morrer”.
E ele vai teimosamente deglutindo seus verbos, pois jurou pra si mesmo que
jamais sorveria o verbo “matar” – nem para consumo próprio.
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