quinta-feira, 19 de março de 2015

CAMINHADAS

Todos os dias, Romero caminhava pelo menos uma hora. Andar, para ele, era como navegar num pequeno barco. Chegava mesmo a sentir a água molhando seus pés. Os braços, instintivamente, ganhavam o movimento dos remos. Navegar diariamente em pé num pequeno barco – era, para ele mesmo, a sua grande loucura – e aventura maior.
Um dia, uma inesperada chuva pegou-o no meio do caminho. Romero não se chateou. Pelo contrário. As poças d´água que iam se formando e molhavam seus pés davam um quê a mais de realidade à sua fantasia. Porém, os movimentos dos braços se tornaram mais e mais rápidos, impulsionando-o para o alto. Romero observava de cima os riachos que as águas da chuva formavam e se encantava com seus desenhos.
Agora, Romero já é capaz de caminhar, navegar e voar ao mesmo tempo. E mantém suas caminhadas, esperando novos aprendizados, loucuras e aventuras.

quarta-feira, 18 de março de 2015

NA ESTRADA

Sábado. A noite desliza na estrada molhada. Você me pede um cigarro. Eu o acendo e coloco-o em sua boca. Você diz que o melhor do cigarro é acendê-lo. Agradeço por você ter deixado a melhor parte pra mim. A fumaça parece clarear o interior do carro. Posso ver seus cabelos – agora mais brancos – mexendo ao vento que entra pelo vidro. Chega-nos também um barulho: parece um som produzido por um pássaro muito grande. E não é só impressão. O pássaro desconhecido pousa as garras sobre o limpador do para-brisa. Você se assusta e freia bruscamente. O ruído da freada assusta a ave. O cigarro voou pelo vidro. Mau presságio? Você não crê nessas coisas e volta a acelerar. Será que o hotel ainda está longe? Já sei: longe para você não existe; acelera ainda mais. Será que vai chover de novo? Esperar pra ver. Quer outro cigarro? Agora, não.
Um luminoso lá longe clareia o hotel tal como vi na foto da internet. Você parece querer sorrir. Eu fico contente e bato palmas. Você sempre me acha exagerado; volta a franzir a testa. Paramos. Descemos. Não há vagas, grita outro luminoso menor. Poxa! E agora? Você aponta para o carro. Entramos. Você volta a dirigir, percebo, com uma contida fúria. Quer mais um cigarro. Quer acender? Não quer. Procuro no celular outro hotel. Nenhum nas proximidades. Volta a chuviscar. Vamos voltar pra casa? Você não responde e acelera. Quer que eu dirija um pouco? Acelera ainda mais. Não é melhor voltarmos? Você emite um grito parecido ao do pássaro. Assusto-me, já esperando ver a ave pelo para-brisa novamente. Você solta um palavrão. Está bem, não falo mais nada. Você desacelera.
Aponto-lhe uma pequena casa de madeira, porta e janela abertas. Você sorri, parece ideal. Desço do carro segurando o revólver. Você, não; não acredita em azar. Você só se incomoda com o chuvisco. Adentramos a casa. Ela está vazia. Sim, você concorda comigo, parece que foi montada especialmente para nós. Guardo o revólver. Você também concorda que a noite no hotel seria enfadonha. Você quer mais um cigarro. Deixo que o acenda. Pego um pra mim também. Está mais calmo agora? Você apenas sorri. Um riso nervoso como suas mãos, que começam a tremer ao se dirigir ao porta-malas. Você pede ajuda. Você segura as mãos e eu, os pés do defunto. Deixamo-lo em posição sentada, abaixo da abertura interna da janela. Eu volto dirigindo. Você fuma sem parar.

terça-feira, 17 de março de 2015

AO LUAR

Uivam os lobos com muita fome e vontade de caçar. Disparam atrás de possíveis presas. Elas não surgem. Ou escapam. Eles param e recomeçam a uivar.
Da abertura que serve de janela para a cabana, Justino observa o movimento da alcateia. Os lobos sempre o distraem. É capaz de ficar horas ali a observá-los, sob a luz do luar.
Os lobos param de uivar por um instante. Parecem ter notado alguma presença estranha. Justino arregala os olhos. É seu novo vizinho, da cabana cinza, decerto desavisado dos perigos noturnos, que incautamente passeia. O homem para e observa a lua e as estrelas por minutos seguidos. Os lobos, deitando a baba sobre o capim, formam um círculo à sua volta; ele parece não perceber, tão admirado com o lindo céu que se mostra.
Justino não pode gritar; isso seria atiçar os lobos contra o homem. Também não pode ir até lá, ou seria devorado primeiramente. Antes que Justino tenha tempo de pensar em outras possibilidades de socorro, seu vizinho se dá conta dos animais que o cercam. Calmamente, aponta o dedo indicador para a lua. Os animais olham para ela. O homem gira seu corpo ainda com a mão levantada. Os bichos andam em círculo, ao redor do homem. O homem gira agora para o outro lado. Os lobos também mudam a rotação. Justino se vê entre perplexo e maravilhado. Pensa em sair e se aproximar, mas perderia o espetáculo e poderia pôr o vizinho em risco.
O homem para de girar e senta-se no capim. Os lobos também se sentam. O homem dá um longo assovio e um dos lobos se retira do círculo, desaparecendo em meio ao matagal. O homem solta dois uivos e mais dois lobos também se vão. O homem bate palma três vezes e mais três bichos se retiram. O homem grita “vai!” quatro vezes e os últimos quatro animais somem dali.
Justino fica ainda mais extasiado e, agora que o vizinho está só, decide ir até ele, que é apenas uma sombra de chapéu, sentada de costas ao luar.
-Meu amigo! Que cena maravilhosa você me proporcionou!
O vizinho volta-lhe apenas a cabeça.
-Gostaste, então?
-Foi sensacional!
-Isso não foi nada! – diz, levantando-se num só impulso e jogando-se contra Justino, que cai já com o pescoço ensanguentado.
O homem se retira, vai para sua cabana cinza e põe-se no buraco que serve de janela.
-Agora meus amigos têm o que comer...

sexta-feira, 6 de março de 2015

CONSTRUÇÕES

-Menino! Pegue seus carrinhos e vai brincar lá dentro! Vai desabar um temporal!
Ele ia sem reclamações, pois o que gostava mesmo era do quintal transformado em barro depois da chuva. Nem queria mais brinquedos; suas mãos eram tudo de que precisava. Construía castelos cheios de passarelas para as formigas passearem. Levantava montanhas e no topo plantava uma folha que caíra da árvore. Dava à luz hominhos gorduchos e narigudos com um enorme sorriso estampado no rosto. Os hominhos subiam as montanhas, entravam nos castelos, barravam a passagem das formigas. Os hominhos ganhavam nomes. Gilmar, Ricardo, Norberto, Nivaldo, Manoel – todos xarás de primos que há muito não via e de quem tinha saudade. Os hominhos caíam, despedaçavam-se. E se transformavam em casinhas com telhado de palitos de fósforo que acendiam o cachimbo da mãe.
-Menino! Vai pra dentro! Vem vindo outro temporal!
E ele ia. Pegava uma cadeira, colocava-a embaixo do vitrô e espiava extasiado a chuva desmoronando todas as suas construções. Parecia até já saber que o eterno reside apenas na imaginação.

quinta-feira, 5 de março de 2015

LETRAS

Um livro caiu dentro do poço. O menino debruçou-se ante a abertura para ver o que ia acontecer. Letras despregavam-se das páginas e a água servia de lente de aumento. Um agigantado A brilhou ao olhar do menino. Foi-se desvanecendo o A e surgiu um maiúsculo M. Desintegrou-se o M e apareceu um ostensivo O. O menino já adivinhou um resplandecente R em seguida. E, maravilhado, achou que a escrita aquática ia parar por ali, quando surgiu um tenebroso T. Em seguida, um esquisito E. A água parou de se mover por poucos segundos e já surgiram outro terrífico T e mais um E espectral. Mais uma pausa e veio um B brutal. Logo, desenharam-se um ululante U e um sádico S. Antes que o menino conseguisse completar a frase, formou-se um cabalístico C. O menino levantou-se assustada e bruscamente. Tropeçou numa pedra, caiu e bateu a cabeça contra o poço. No céu, ainda conseguiu ler as nuvens desenhando um afável A.

REPORTAGEM

O radialista Marronez gritava impropérios para o psicopata Lívido – que, para sorte do locutor, estava a quilômetros da rádio, sendo entrevistado pela repórter Lucinha.
-Salafrário! Picareta! Você não é doente coisa nenhuma! Eu tenho cara de palhaço por acaso? Quem você acha que engana fazendo discurso de coitadinho? Já não bastam os políticos pra mentir pro povo o tempo todo? Agora vem um facínora que matou nove mulheres se esconder atrás de uma esquizofrenia? Você tem é que apodrecer na cadeia, cara-de-pau! Sem-vergon...
-Marronez! – interrompeu a repórter, ao perceber a fúria na fisionomia do bandido e temendo que, embora algemado, ele esboçasse alguma reação. Marronez! Eu obtive uma informação importante! Quando criança, Lívido foi muito maltratado pela mãe; ela o deixava amarrado junto ao cachorro. Talvez por isso ele só atacava mulheres que passeavam com seus bichinhos de estimação – e a própria Lucinha ficou aliviada ao dizer isto, pois, ela mesma odiava cachorros.
-Fez muito bem a mãe deste vagabundo! Vai saber que tipo de criança foi este marginal! Não devia dar paz nem pro cachorro! O cachorro é que devia ficar solto e este patife...
-Marronez! Você não vai acreditar! Lívido está imitando um cachorro! Pena não haver nenhuma TV por aqui pra filmar isto! Ele dobrou os joelhos, colocou as mãos algemadas embaixo do queixo e está baforando como um cãozinho!
-Isto é fingimento, Lucinha! O mequetrefe quer nos fazer acreditar que é doente mesmo! Dá um osso pra este canalha pra ver se ele vai roer...
E aí, a repórter perdeu o contato com Marronez. Com a boca, Lívido pegou o microfone da mão da moça e segurava-o entre os dentes. E saltitava alegremente. Emitia sons guturais, tentando latir com o ‘ossinho’ na boca. Sem se dar conta de que não estava sendo ouvida, Lucinha continuou narrando tudo o que o psicopata fazia. Porém, quando ele ficou de quatro e foi roçar a sua perna, a moça sacou um revólver e descarregou-o contra o rapaz.
Enquanto isto, sem saber o que estava se passando, Marronez continuava disparando impropérios contra o agora defunto.

quarta-feira, 4 de março de 2015

O CRIME

-Seu nome, por favor, senhor.
-Ronaldo.
-Onde o senhor estava no dia 15 de janeiro de 2015, às dezessete horas?
-Em minha casa, doutor.
-Havia alguém com o senhor?
-Sim. Três amigos.
-O nome deles, por favor.
-Rodrigo, Rogério e Roberto.
-O que vocês faziam?
-Uma bacanal, doutor.
-Quem comia quem?
-É mesmo necessário dizer, doutor?
-Aqui sou eu quem faz as perguntas. E seu dever é responder prontamente. Repito: quem comia quem?
-Ninguém comeu ninguém, doutor.
-Que merda de bacanal foi esta, então?
-Não foi uma merda, doutor. Foi uma suruba muito boa. O que eu quis dizer é que não houve penetração. Nós apenas nos masturbamos.
-Quem masturbou quem?
-O que isto tem a ver com o crime, doutor?
Silêncio.
-Todos masturbamos todos.
-Todos gozaram?
-Sim, senhor.
-A que horas abacou a cabanal... Digo, a que horas acabou a bacanal?
-Por volta das dezenove e trinta, doutor.
-Duas horas e meia de... O que vocês fizeram depois?
-Eles foram embora e eu fiquei lendo um livro.
-Que livro?
-120 dias de Sodoma e Gomorra, doutor.
-O senhor não pensa em outra coisa que não seja sexo?
-Penso, sim, doutor.
-Em quê?
-Em como pagar minhas contas, doutor.
-Tem muitas dívidas?
-Algumas prestações, doutor.
-Qual o montante?
-Menos de quinhentos reais, doutor.
-Está dispensado.
-Obrigado, doutor.
Ronaldo saiu da delegacia confiante. Seu crime talvez fosse até esquecido depois que a imprensa começasse a vasculhar sua vida sexual – que ele mesmo achava bem monótona, aliás.

terça-feira, 3 de março de 2015

BEIJO

lá pelas tantas eu estava cansado você também já não dizíamos coisa com coisa Jesus era Genésio Genival era Lacerda e acertávamos sem querer queríamos mais uma dose de qualquer coisa e o garçom querendo fechar a bodega não lembrávamos de uma história que valesse a pena ser contada mais de uma vez você me perguntou meu nome eu me lembrei de uma música que falava de signos e perguntei o seu ninguém respondeu nada olhávamo-nos fixamente e o silêncio aumentava só o garçom bufando de raiva e o amor nascia entre nós pelo menos em mim talvez fruto das maluquices todas que dissemos baixinho ou bem alto já não lembro e você não deve lembrar também queria beijar sua boca mas você queria conversar eu queria conservar o silêncio o silêncio eu falei o silêncio casual é sinal de que nada mais deve ser dito e eu quero morder sua boca você riu e me chutou por debaixo da mesa que balançou e um copo caiu nos molhando o garçom perdeu a paciência e gritou que não aguentava mais aquela vida nos distraiu mas voltei ao assunto do beijo você desconversou eu não queria quebrar o silêncio e o garçom escandalizando mandei-o calar a boca e queria sua boca na minha a sua não a do garçom já queria qualquer boca se você não me beijar eu beijo o garçom você gargalhou e a vontade do beijo aumentou eu estou amando você eu disse você se levantou para se dobrar de tanto gargalhar e ao se dobrar seu rosto ficou bem pertinho do meu e eu lasquei o beijo
você parou de rir achava que eu não tivesse coragem de beijar sua boca na frente de todo mundo mas não havia ninguém a não ser o garçom reclamando que não ganhava pra ver aquilo você foi embora sem ao menos se despedir e eu com vontade de mais beijo e de tudo mais vi sua sombra desaparecer na esquina ia correr atrás de você mas o garçom veio me cobrar a conta antes que eu também fosse embora paguei e mandei ele tomar no cu saí caminhando em sentido contrário ao seu pois estava envergonhado demais pra olhar pra você novamente fui procurar outro beijo em outra esquina outro bar outros copos outras bocas mas a sua boca não saía da minha cabeça não saía da minha boca mesmo longe mesmo além da esquina mesmo já em casa dormindo sua boca me atentava até no sonho no sonho no sonho eu beijei sua boca beijei seu corpo inteiro desavergonhadamente e tinha coragem de encarar seu olhar assustado e surpreso por um simples beijo
acordei
a cabeça dói
nunca mais vou querer seu beijo
nunca mais um beijo desastrado

O BRILHO

Chove gotas de ferrugem. Tudo é um breu sem fim. Tudo escapa ao brilho do olhar da criança que passa – ainda bem! Ela segue tranquila, contente... Transforma a ferrugem em giz vermelho e desenha na calçada outra criança brincando na chuva. A chuva deforma o desenho. A criança do desenho agora chora. A criança do giz fica mais feliz – a natureza está brincando com ela...
Relâmpagos de ferro cruzam o céu do quintal onde a criança agora se balança no galho da árvore. Uma seta de fogo atinge o galho, derruba-o e a criança vai ao chão. O galho e a seta viram outra brincadeira, misturados a outros apetrechos há muito colecionados: braços de bonecos, canetas sem carga, casca de coco lixada, ripas de caixa de tomate, parafusos esquecidos pelo pai... – tudo esparramado ao chão, onde a criança monta monstros e super-heróis brincantes.
A chuva passou. Não há mais ferrugem nem breu. E o brilho daquele olhar é o mesmo.

ADEUS

Inviolável segredo escapa dos teus lábios sem te desorientares, sem te escandalizares. Abençoada mentira de cada dia, de cada hora, de cada minuto. Inventas uma tradição de três segundos. Crias uma contradição a cada três segundos. Da tua boca se desprendem cobras, lagartos e salamandras. Mandas embora quem te ama e acolhes quem te devora. Desajustas-te até quando o ritmo é sagrado. Disparas balas de canhão e o pavio é tua mente. A guerra é tua alma. Para, víbora!, vai’mbora! E calada! Desgrenhada, desgarrada, desregrada, disgramada! Só volta, se voltar for necessário, com lábios serenos, boca tranquila, língua pacífica... Se conseguires... Se for necessário... Se não for pedir demais... Se não for pedir demais, dize pelo menos “adeus”.

segunda-feira, 2 de março de 2015

MARIA LOUCA

-Devagar com o andor que o santo é de ferro; se ele cai no seu pé, é uma dor danada.
-Joana ainda não voltou da feira; os ovos já vão chegar aqui mexidos...
-Vou tomar uma cachaça no bar do Tonho; vamos ver se ele nega desta vez...
-Quem com ferro fode com ferro será fodido e cutucado e espetado e virado do avesso.
-A pica do vovô não sobe mais. Foi passado pra trás o velho rabugento, safado!
-Melão podre só é bom pros porcos! Não vem me comparar com bicho, não!
-Almoçar na casa da Zefinha... Lá sempre tem um bife de fígado bem passado...
-Zenaide ainda vai pagar tudo o que fez! Ela pode não saber, mas Deus vê tudo!
-E se me agarrar, eu grito! Melhor nem encostar a mão em mim!
-Se me encoxar no ônibus, então, eu furo os olhos do filho da puta!
-O jornal fala, fala, fala, mas não faz nada! Só quer nosso dinheiro, os cobiçosos...
-Morango só é bom na sobremesa. Na salada, nem pensar. Melhor fazer torta!
-O calendário não me deixa mentir! Já estamos em junho e nada!
-Por mim, o Mané pode apodrecer na cadeia! Tomara que vire mulherzinha lá dentro!
-Ah! Os políticos? Tudo ladrão! Não voto em nenhum! Por mim, morrem tudo de fome!
-As galinhas do Everaldo vivem pulando a minha cerca. Logo, logo, faço uma canja!
-O João quer vender a casa, né? Só me tira de lá na camisa de força!
-Eu não gosto de novela, não! De tristeza, já basta a minha vida! Perco tempo, não...
-Se Cabral não tivesse invadido esta porra, a gente era tudo índio!
-Caramba! Mas já acabou a bateria do meu celular de novo?!?

AMOR

José Carlos, Natália e Vladimir estão casados há cinco anos. Eles são arquitetos e ela, advogada. Apesar de terem a mesma profissão, os rapazes não trabalham juntos, pois acham que a relação pode se desgastar. Natália advoga para as empresas dos maridos – mas, “de longe”, como ela costuma dizer.  Domesticamente, as tarefas são distribuídas de acordo com as aptidões de cada um. Na prática, fazem muito pouca coisa, pois têm a diarista Jussara que cuida de quase tudo pra eles. Só Vlad passa um bom tempo em frente ao fogão, mas porque adora cozinhar, “principalmente para os meus amores”. Joca se ocupa da decoração e arrumação da casa; quer tudo sempre muito lindo para que seus cônjuges tenham todo o conforto possível. Natália cuida do visual dos três; gosta de se sentir e de ver seus maridos bem arrojados. Por enquanto não querem filhos; pensam em adotar uma ou duas crianças daqui a uns três anos, quando preveem que a situação financeira estará estabilizada.
Neste sábado sobrou um tempinho livre; decidiram ir dançar. Estão na boate onde Joca e Vlad conheceram a esposa.
-Quem sabe conhecemos mais alguém interessante?, ela brinca.
-Opa! Está a fim de um quarteto?, entusiasma-se Joca.
-Por que não?
Os três riem. E se beijam. E continuam dançando.
O DJ, ao ver os três por ali, toca a música que sabe que mexe com o trio.
-Nossa! Nosso tema de amor!, comemora Vladimir, mesmo sabendo que todas as vezes que forem ali aquela música vai tocar. Beijam-se mais apaixonadamente. E se divertem dançando o resto da noite.
Ao chegarem em casa, Joca lembra que no dia seguinte têm que ir à feira.
-Deixa que eu acordo cedo e vou, oferece-se Natália.
-Vamos todos juntos! É mais divertido..., sugere Vlad.
-Amanhã decidimos... Temos mais o que fazer agora..., malicia Joca.
O sol do domingo finalmente aparece. Ninguém foi à feira. Ninguém irá à feira. Eles descansam vagabundamente da deliciosa noite anterior. Frutas, legumes e verduras podem esperar. O amor, não.