terça-feira, 17 de março de 2015

AO LUAR

Uivam os lobos com muita fome e vontade de caçar. Disparam atrás de possíveis presas. Elas não surgem. Ou escapam. Eles param e recomeçam a uivar.
Da abertura que serve de janela para a cabana, Justino observa o movimento da alcateia. Os lobos sempre o distraem. É capaz de ficar horas ali a observá-los, sob a luz do luar.
Os lobos param de uivar por um instante. Parecem ter notado alguma presença estranha. Justino arregala os olhos. É seu novo vizinho, da cabana cinza, decerto desavisado dos perigos noturnos, que incautamente passeia. O homem para e observa a lua e as estrelas por minutos seguidos. Os lobos, deitando a baba sobre o capim, formam um círculo à sua volta; ele parece não perceber, tão admirado com o lindo céu que se mostra.
Justino não pode gritar; isso seria atiçar os lobos contra o homem. Também não pode ir até lá, ou seria devorado primeiramente. Antes que Justino tenha tempo de pensar em outras possibilidades de socorro, seu vizinho se dá conta dos animais que o cercam. Calmamente, aponta o dedo indicador para a lua. Os animais olham para ela. O homem gira seu corpo ainda com a mão levantada. Os bichos andam em círculo, ao redor do homem. O homem gira agora para o outro lado. Os lobos também mudam a rotação. Justino se vê entre perplexo e maravilhado. Pensa em sair e se aproximar, mas perderia o espetáculo e poderia pôr o vizinho em risco.
O homem para de girar e senta-se no capim. Os lobos também se sentam. O homem dá um longo assovio e um dos lobos se retira do círculo, desaparecendo em meio ao matagal. O homem solta dois uivos e mais dois lobos também se vão. O homem bate palma três vezes e mais três bichos se retiram. O homem grita “vai!” quatro vezes e os últimos quatro animais somem dali.
Justino fica ainda mais extasiado e, agora que o vizinho está só, decide ir até ele, que é apenas uma sombra de chapéu, sentada de costas ao luar.
-Meu amigo! Que cena maravilhosa você me proporcionou!
O vizinho volta-lhe apenas a cabeça.
-Gostaste, então?
-Foi sensacional!
-Isso não foi nada! – diz, levantando-se num só impulso e jogando-se contra Justino, que cai já com o pescoço ensanguentado.
O homem se retira, vai para sua cabana cinza e põe-se no buraco que serve de janela.
-Agora meus amigos têm o que comer...

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