sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

UNICÓRNIO

Naquele vale vive um unicórnio. Os meninos evitam o vale a qualquer custo. Os adultos contam histórias terríveis sobre aquele ser. Que come carne humana. Que pisoteia os miolos das pessoas até desaparecerem. Que seu chifre emitem raios que dão choque de 550 volts. Que sua crina se transforma em asas e ele voa dali para qualquer lugar do mundo. Que seu cocô tem o mesmo poder destrutivo de uma bomba atômica.
Geraldinho nunca acreditou nestas balelas. Tinha medo do bicho, sim, mas medo de que ele o estranhasse se invadisse seu território. Então, todos os dias, em diferentes horários, ficava pelo menos meia hora espreitando o animal entre as pedras que circundavam o vale, com todo o cuidado possível para não ser percebido. Não chamava os amigos para esta aventura, pois tinha certeza que alguns deles – ou todos – dariam com a língua nos dentes e os adultos proibiriam esta nova distração.
Se bem que esta distração já estava monótona demais para o tamanho da curiosidade infantil. Geraldinho só via o bicho pastando e dormindo. Dormindo e pastando. Só uma vez o viu bebendo água. Havia chovido e o Uninho – como o menino o apelidara mentalmente – se deliciou com as poças d´água. De resto, o bicho só pastava e dormia. Dormia e pastava. Nenhum raio saía de seu chifre. Nenhuma cena de antropofagia. Sua crina era só crina mesmo. E cocô parece que ele não fazia. Nem xixi.
Mas não era possível! O animal tinha que ter algum poder especial! Quem sabe se, provocado, ele teria alguma reação e mostraria sua verdadeira face! Geraldinho resolveu atirar uma pequena pedra bem perto dele. Ele, deitado, levantou a cabeça, olhou para a pedra e voltou a dormir. O menino tacou outra pedra e a reação foi a mesma. Geraldinho não queria acertá-lo, mas não via outra maneira de atiçar o bicho. “Vou mirar na bunda dele; acho que ali dói menos”. E lá se foi a pedra. Uninho só olhou para a bunda e voltou a dormir.
Quem não dormiu naquela noite foi Geraldinho. “Ele é muito calmo! Eu tinha razão! É tudo invenção desta gente! Talvez, se ele deparar comigo, tenha outra reação. Mas... e se acontecer alguma coisa? Meu pai jamais vai me perdoar... E seu for à noite? Nunca vi o Uninho à noite... E se eu for agora?”
E foi. Chegou às pedras e... surpresa! Uninho não estava lá! “Será que não estou enxergando direito? Mas o luar está claro! Eu veria o Uninho, sim... Vou esperar...” E esperou até amanhecer, quando viu um homem entrando no vale. “Meu Deus! Papai! E se o Uninho pegar ele? Vou até lá!”
Antes que chegasse à metade do caminho, seu pai já havia se transformado em unicórnio. E Geraldinho teve a certeza de que poderia brincar com ele à vontade.

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