quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

ASSIM

Foi assim: a noite veio baixando até cair no quintal, transformando em sombras confusas tudo o que aparecia pela frente. O poço não era mais o poço, era a sombra complicada do poço. O balanço pendurado na árvore não era mais o balanço, era uma sombra que ia e vinha atabalhoadamente. A árvore era um simples buquê que se movia no chão de pedras claras. Os coelhos saltitando na grama eram simples mãos fazendo o sinal de vitória. Os ferros da cerca se multiplicaram diagonalmente, dando à casa uma mais acentuada aparência de gaiola.
Saiu do vitrô e deitou. Com a luz acesa. As mesmas sombras perambulavam pelo teto, em volta da lâmpada. O poço complicado, o balanço atabalhoado, o buquê sobre as pedras, os coelhos-mão, a gaiola. Outra gaiola dentro da gaiola dentro de mais uma gaiola. E nenhuma possibilidade de pássaro. Muito menos de asas. Apagou a luz. Fechou os olhos.
As sombras desceram, pairavam à altura de seus olhos fechados, feito luzes. O poço flutuava, derramando sua água; o balanço circungirava; o buquê levantava-se das pedras; os coelhos-mão agora tinham cinco dedos... A gaiola... Só a gaiola continuava ali inteira, com seus ferros já entrecruzados, tornando impossível a entrada ou saída de qualquer fiapo de pena... Levantou. Foi ao quintal.
Ali havia a lua. Uma liberta lua.

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